sábado, 26 de setembro de 2009

Deixa Ela Entrar (Låt den Rätte Komma In, 2008)





Quando se pensa em filmes sobre vampiros ultimamente, muitos remetem ao fraco Crepúsculo. Pois é o filme do momento, e que está criando moda por onde passa. Um filme feito para apenas encher os bolsos dos executivos de Hollywood. Entretanto, a Europa, berço do bom e velho cinema de arte, traz o que pode ser o melhor filme sobre o gênero da última década.


Deixa Ela Entrar (Suécia) passou despercebido do circuito comercial de cinema, como a maioria dos filmes que não se propõem a mero entretenimento. Porém teve destaque nos inúmeros festivais em que passou, pois a poética e a força e a singeleza das suas imagens e do seu roteiro nos deixa marcados como dois furos profundos no pescoço.

O diretor Tomas Alfredson usa a melancolia invernal da paisagem sueca para falar da solidão, do sofrimento e da amizade de duas crianças. Oskar (Kåre Hedebrant) é um menino de 12 anos tão pálido quanto qualquer vampiro, que, solitário, sonha em um dia se vingar das humilhações que sofre na escola; Eli (Lina Leandersson), uma vampira que também tem 12 anos, só que há muito tempo, vive com a angústia de ser o que ela é, com a insuportável necessidade de sangue e a limitação em relação à luz do sol. A sensibilidade como o diretor trata essa inusitada amizade é um dos pontos altos da projeção. Tal cuidado ele também dedica aos momentos de terror que o gênero exige.

Deixa Ela Entrar é uma metáfora dos conflitos da adolescência, o medo, a descoberta do sexo, o desejo de poder, a violência, o amor. Toda essa miríade de sentimentos ao qual passa um jovem ao dar seus primeiros passos de encontro ao mundo que parece sempre ameaçador, de conhecer tal mundo e de enfrentá-lo. É verdadeiramente um filme belo, até mesmo nas cenas de terror e violência ele não perde sua beleza, muito pelo contrário, cria dessa forma uma estética própria que evita a vulgaridade e os clichês comuns aos filmes de terror atuais.

ps: Infelizmente, os executivos de Hollywood planejam uma re-filmagem para o público norte-americano. Duvido muito que eles consigam (ou mesmo queiram) manter a sutileza e beleza do original.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

renovatio

terça-feira, inicio da tarde
volto da caminhada vislumbrando a continuedade
a alma que foge à vontade segue uma trilha que se sabe só

dormente nos desatinos
segui aqueles planos ralos

nunca duvide para criar

retornei da noite duradoura com a sensação de ter recuperado as costas

sei que as somas dão o tom
por tudo que se diz por ai
não tenho ouvidos

foleando as páginas deparei-me com uma fotografia verde
pareceu depositar todas as horas que transformou em notícias boas
do resto usei a perda de memória recente para dar conta

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

o corpo como vertigem*

por Nilson Oliveira**

Algumas imagens chegam até nós provocando uma sensação de estranhamento. Pela força indescritível de sua presença, vão cada vez mais atraindo, arrastando e seduzindo-nos como um canto de sereias. Não há miragens, o inferno é ver. Essa viagem nos causa uma sensação de estranhamento, mas sua força, seu modo de nos arrancar os olhos, consiste nesse estranhamento. A imagem mantém-se em nós tão somente por ser esse fora indescritível, pelos lances que vimos, mas não conseguimos apreender, como um vulto. Assim encontramos as fotografias de Francesca Woodman, figura curiosa que, como suas imagens, seduziu sem deixar pistas. Woodman entrou para a fotografia usando o corpo como experiência, como laboratório de si. Fez uma viagem sem volta ao limiar do corpo, como se percorresse seus limites para encontrar o inevitável: seu devir-outro-fotográfico, sua imagem-vulto: trata-se de uma quase miragem, um vulto, algo que atravessa o espaço intenso da vida refletindo uma outra imagem, o além de si, que vaga desfocado, entranhada entre o tempo e espaço, como se deles fizesse parte, mas sem habitar nenhum, como uma sombra que toca sensivelmente nas coisas, atravessando as superfícies mais rudimentares, refletindo a sua natureza, sombra, sem expressar, dor, desassossego ou vontade, apenas transitando pelas coisas, acompanhando o falso movimento dos olhos, como a imagem que em silencio espreita o deserto da lente. É a dispersão do corpo, do rosto e do próprio olhar, de um corpo que jaz enterrado na fronteira entre a ausência, a aparição. Um corpo que sempre reflete à sombra de uma outra imagem, uma imagem falha; que quando mirado, se dispersa entre as coisas do mundo. Nessa esfera não há representação do rosto nem, portanto, do olhar. Seu rosto nada revela. A verdade de sua aparência é um enigma, um exílio. Sua substância acontece, fora de si, no espaço que há entre a força que o move e o mundo que o acolhe. Sua imagem não é a revelação de uma realidade, mas de uma sombra, de algo que é inteiramente vivo e no entanto não orgânico. Há nas fotografias de Francesca algo que nos força a pensar. Este algo nos arremessa de encontro a realidades em que muitas vozes se atravessam, por vezes ouvimos Artaud: o pulsar o corpo sem órgãos; por vezes Bataille: a febre e a intensidade; mas por vezes, entre a sombra e a claridade o canto silencioso de Rilke: a sombra da morte. Mas isso, esse turbilhão de coisas e vozes, nas fotografias de Francesca Woodman, só pode ser apreendido a partir de uma perspectiva da sensação, em vôos que o olhar mergulha no diverso e nele se perde, sob a égide da paixão, da dor ou da morte. Em sua primeira característica, e sob qualquer tonalidade, essas imagens só podem ser sentidas. Não é uma estrutura, mas uma abertura, a fissura pela qual os olhares se atravessam. Ela é também, de certo modo, o incomunicável; segundo o caso da arte, o incomunicável, passível no entanto de comunicação. Nas suas fotos, cada imagem parece perdida de uma atmosfera identitária, em cada foto é sempre outra, como se seu corpo estivesse mergulhado em um contínuo jogo de simulacros onde a origem, a verdade, a matriz, há muito se apagou. Não há realidades, mas tudo é o que é: um corpo estendido no deserto de uma paisagem. O deserto é a fotografia, mas o corpo parece atravessado de sensações, de febre, de morticidade. Tudo parece vivo e morto. como se a vida fosse o fora da morte, mas a morte o seu dentro, sua afirmação inevitável. Francesca transcorre pela linha que cruza de uma realidade a outra. Nas suas fotos, as linhas estão sempre se encontrando, fabricando dobras, redobras, criando um aberto de possibilidades com a força de uma máquina desejante, que da sua intensidade-corpo, passa para uma máquina-desejo, que, no seu funcionamento, engendrada uma corrente de fluxos, cortes, vultos, peles. Nas suas imagens, há sempre uma pulsação de intensidades operando no seio de um acontecimento: série binária é não linear vazando por todas as direções. O desejo não cessa de efetuar acoplamentos de fluxos, pensamentos, volúpia, sobra, pele. O corpo de Francesca parece amarrado ao seu limite, mas dele escorre uma leveza indescritível. A sua imagem revela-se como uma quase epifania, mas nunca da ordem de um sagrado. Sua imagem atravessa a fotografia como o Monge Negro rasga a retina do jovem Kovrin, conduzindo-o ao seu limite, mas a atração também. Kovrim é atraído a ir, e vai atravessando todos os riscos que implicam esse ir: Kovrin reteve a respiração, seu coração parou de bater e o mágico, extático transporte que há muito tempo esquecera, voltou a palpitar em seu coração. O susto é inevitável. Assim foi Francesca na sua experiência com a fotografia, mas sobretudo, na sua viagem à superfície do corpo. Lembremos Valery: o mais profundo é a pele. Essa foi a sua viagem, ao profundo da superfície, às entranhas da derme. Assim vamos nós ao encontro das suas imagens, numa experiência da sensação e do ver. O susto arderá através das retinas. Francesca Woodman nasceu em Devem, Colorado, em 1958. Começou a fotografar aos 13 anos. Seu foco de experiências era o próprio corpo. Em Janeiro de 1981 publica o livro “Disordered Interior Geometries”. Uma sema depois, atravessa a janela do seu apartamento.

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*Este texto foi-nos enviado por e-mail.

**Nilson oliveira, é editor da revista Polichinello; autor de Apenas Blanchot (org), [Pazulin, 2008]; A Outra Morte de Haroldo Maranhão [IAP, 2006]


imagens:








segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Há algo de podre em Gramado

Quando soube que Xuxa estava no festival de Gramado para receber um prêmio, eu não quis acreditar. Afinal, quem é Xuxa? O engraçado é que ela tem aparecido em grandes eventos ultimamente, ou de música (como o festival que Al Gore promoveu) e agora de cinema, como se ela fosse cantora ou atriz, e todos nós sabemos que ela não é nenhuma coisa nem outra. Ela é apenas uma oportunista, desde o início da sua "carreira (pseudo) artística" isto ficou claro. Foi até mesmo desconfortável ver no jornal da tarde da rede globo ela desfilando. A "reportagem" não falou praticamente nada do festival, se prendeu apenas a uma desnecessária comparação com o Oscar. Comparação esta que parecia ter como único objetivo dizer, no fim da reportagem, que nosso cinema era pobre de orçamento. Enfim. Depois de ver certos deputados donos de castelos serem absorvidos, de jornal ser censurado para não divulgar reportagens sobre o filho de Sarney, e de ver a investigação dos "atos secretos" do próprio ser arquivado, só faltava ver mesmo Xuxa recebendo prêmio de cinema (se ao menos fosse o Framboesa de Ouro).

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Cinema: Presságio de Alex Proyas



As cenas inciais de Presságio (Knowing. EUA, 2009) são suficientes para nos prender a atenção: em 1959 um grupo de crianças, estudantes de uma escola estadunidense, coloca numa cápsula do tempo cartas dos seus pensamentos sobre o futuro, para serem abertas por outras crianças 50 anos depois. No entanto, embora a grande maioria das cartas conste de desenhos das crianças imaginando como seria o mundo 50 anos no futuro, uma delas escreve longas seqüências de números. E é justamente esta carta que, na cerimônia de abertura da cápsula, em 2009, Caleb (Chandler Canterbury) filho do viúvo e professor universitário de astrofísica John Koestler (Nicolas Cage), é induzido a escolher. Questionado pelo pai o porquê de não ter entregado a carta à escola, conforme estava programado na cerimônia, Caleb responde que ela poderia ser importante — por se tratar de uma carta totalmente diferente das outras. Argumento este que, a princípio, não convence o pai. Entretanto, este último demonstra interesse repentino quando, entre goles de uísque, resolve averiguar aqueles números. Desta forma ele descobre o seu verdadeiro e trágico significado.
Daqui por diante me contenho em contar mais detalhes, pois, me arriscaria involuntariamente a expor spoilers desnecessários, além de que, um dos grandes méritos do filme são as revelações às quais ele nos informa gradativamente até seu inesperado ápice final. O que me levou a assistir este filme foi um antigo trabalho do diretor Alex Proyas (igualmente dirigindo este), o sombrio (em todos os sentidos, até mesmo na obscuridade diante de outros trabalhos do mesmo diretor) e excelente Cidade das Sombras. A meu ver, Presságio ainda é aquém a Cidade das Sombras, pois, embora traga deste certos elementos, ele parece se perder no seu tom hollywoodamente (ou deveria dizer: spilbergamente) pretensioso. No entanto, ele ainda é bem superior ao seu filme antecessor, o mediano Eu Robô.
A atuação de Nicolas Cage é o outro, se não, principal ponto negativo do filme. Suas atuações estão cada vez mais caricatas (embora sua atuação neste esteja com menos maneirismos do que a sua interpretação no decepcionante Motoqueiro Fantasma). Ele chega ao ponto de quase comprometer certos momentos da projeção, ameaçando “quebrar o clima” de trechos emocionalmente importantes. Por outro lado, o diretor Alex Proyas consegue manter nossa atenção do começo ao fim sem nos deixar cair no tédio. Ele nos prende não tão somente pela curiosidade, mas por satisfazer essa curiosidade com informações que vão se tornando gradativamente mais surpreendentes.
Embora o final possa parecer um tanto quanto cristão (Em alguns momentos fica claro que o diretor parece ter adaptado passagens bíblicas em pura ficção científica), ele ainda consegue ser um final não tão óbvio como poderíamos ser levados a imaginar pelo andamento dos momentos que antecedem a ele. Mesmo não sendo um filme tão marcante em termos de ousadia e originalidade quanto foi Cidade das Sombras (com seu sedutor clima noir), Presságio ainda nos surpreende e nos prende em seu clima sombrio (clima este muito bem explorado em certas cenas noturnas, na floresta e na melancólica casa onde moram os protagonistas) e, também, por conseguir manter um ritmo que não deixa o espectador perder uma cena sequer, algo raro num filme desse porte que ainda tem o mérito de saber usar os efeitos especiais (que os dólares de Hollywood podem promover) com uma ação manipulada com inteligência.

terça-feira, 3 de março de 2009

"O amor faz as igualdades, não as procura"

viver bem exige gerar a paz
não esta que simbolizam com passarinhos brancos ou passeatas de final de semana
o cotidiano é o palco para todos que interpelam

para quem ilude e vive das sombras do esquecimento do que realmente é necessário
a vida pode parecer um campo de batalhas
aonde quebramos e domesticamos as alegrias enterra-se a verdadeira vida

... gastei-me em empresas torpes e desnecessárias de egos, de crianças mal amadas, nas escravidões "raitequi"
muitos quando velhos terão amarguras encrostadas nos ossos
e ao ver a vitalidade maltratada
perguntaram: porque não escolhi melhor minhas brigas?

o tempo não responderá nada
porque ele nunca existiu em marcadores e dias da semana
a sensação tampouco trará respostas do passado
acredite no hoje e injete coragem
os espetáculos estão cheios de drogados e estes nunca foram tão caretas seguindo fórmulas de libertação

a única saída é adentrar o deserto
enxergar que poucas coisas existem de fato e as ilusões são aqueles "moinhos de vento"

compartilhar exige gerar e não destruir

antes que se passem 30 ou 50 anos
pergunte-se hoje
tudo que asseguro ser realidade é reflexo de que exatamente?
transmito dia após dia apenas um condicionamento de quais arquitetos?
quem é teu guia neste imenso mundo?
será melhor desbravar ou apenas espiar pelas telinhas?
o que você deixa para o mundo todo dia ao regressar dos afazeres?
para quem você conta suas ausências e debilidades?

vale quanto pesa toda a pena?


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"Aos vinte anos, a ideia do mundo e a preocupação do efeito a produzir sobre ele vencem tudo mais"

"No meio de tantos perigos resta me eu!"
- O Vermelho e o Negro - Stendhal
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