domingo, 17 de outubro de 2010

Por uma arte maldita e pelos malditos

A história de Vincent Van Gogh é bela e trágica como a verdadeira arte, e mostra que a vida de um grande artista, embora os tempos sejam outros, está sujeita a mesma injustiça e abandono ao qual ele sofreu.

Vi agora no Biography Channel um documentário sobre o pintor Vincent Van Gogh. Tenho aqui no meu quarto a biografia romanceada escrita por Irving Stone (Sede de Viver) e que serviu de base para o filme de mesmo título (Lust For Life, 1956) dirigido por Vicente Minnelli e protagonizado por Kirk Douglas na pele e no sofrimento do pintor. Nunca terminei de ler por simples incapacidade de saber lidar com a depressão e os fracassos do personagem. Havia me identificado muito com ele, e a cada página, sua desventura e depressão se espelhavam na minha que, como pintor e como alguém que sofre do mesmo mal de todos os séculos, sabe como é fazer algo sem saber se um dia vai ser reconhecido por isso. Mas não estou aqui para falar de mim, mas das minhas impressões e minha singela homenagem a ele que foi para mim o maior pintor de todos os séculos, pois soube como ninguém dar a cada pincelada o tom da sua sede de vida. Não há como, ao menos para mim, ver uma tela dele (embora nunca tenha visto pessoalmente, somente na distância higiênica das reproduções de livros e revistas) e não sentir algo que me inquieta e que me comove. A simplicidade dos temas, as cores vibrantes e as formas frenéticas fazem dele o mais representativo divisor de águas da história da arte. Ver o quanto ele foi massacrado pela sociedade em que viveu me comove e me faz pensar que os tempos de hoje não diferem muito dos tempos dele no que se diz respeito aos gênios da arte.

Hoje temos a internet, a vanguarda (afinal, depois de tantas injustiças dos críticos de arte a respeito dos impressionistas, existe muito medo por parte dos críticos modernos de cometerem a mesma injustiça, por isso muita merda se torna facilmente comestível no meio artístico contemporâneo), enfim, uma miríade de possibilidades de um artista ser visto e admirado ainda em vida. Mas certos gênios são malditos e amaldiçoados pela sociedade em que vive e tenta suportar. Acredito que esses gênios malditos não acabaram e ainda sofrem da mesma maneira que sofria Van Gogh. Eles não são notícias, não estão na TV nem em revistas especializadas. Eles estão nas sombras e recolhem as sobras dos seus desesperos. Com medo do futuro e do mundo que os ignora. São loucos, pois a loucura é o preço que eles pagam por sua genialidade. São teimosos, não se submetem à mídia facilmente. Por isso são odiados e ignorados por ela. Assim como são odiados e ignorados por sua família, por seus amigos, pelas mulheres que, tal como no caso de Van Gogh, corriam com medo daquele homem tão apaixonado pela arte e pela vida e que só queria delas o amor. Assim como sua própria mãe lhe negou o amor materno a vida inteira.

Hoje uma tela de Vincent Van Gogh vale milhões ou bilhões (desconheço a cotação atual), mas em vida até a sua própria mãe lançava ao lixo seus desenhos, e outros usavam suas telas para tampar buracos. Se não fosse a dedicação do seu irmão Theo, esse anjo das artes que logo reconheceu o talento dos impressionistas, e da mulher dele que catalogou as obras espalhadas e desprezadas por toda a Europa, talvez nunca tivesse chegado até nós sua arte e sua paixão.

E essa mesma paixão foi sua ruína, assim como é a ruína de todo gênio.

Hoje estamos cercados por poetinhas insuportavelmente líricos, escritorezinhos “descolados” e artistas visuais de toda espécie enchendo os salões de artes com suas instalações frias. Mas os verdadeiros artistas, os malditos, estão na sarjeta, nos seus quartos solitários, presos aos sonhos de um mundo particular megalomaníaco, mas portadores de uma beleza que, por mais que queiram, todos esses escritores e pintores medíocres jamais poderão alcançar, pois eles não tem coragem de permitir que os deuses amaldiçoem suas vidas em nome de algo maior do que eles. Eles são ascetas, verdadeiros santos da arte, e como os santos da mitologia cristã, comem o pão que o diabo amassou e fazem dele a fonte inesgotável da sua arte. Pois todo artista maldito é incapaz de uma vida normal, de uma vida de paz, de uma vida dita bem sucedida. Ele vive à margem, e é na margem que ele recolhe os objetos e o tema da sua arte. E morrem no anonimato. Talvez um ou dois compareçam ao seu funeral. Mas a ferida que ele abriu enquanto vivo estará aberta para sempre diante dos olhos daqueles que vem depois. E essa é a vingança servida fria de malditos como Vincent Van Gogh para a sociedade que tanto o desprezou.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Notícia: REVISTA BULA+ Nº 9

Saudações Tropicais!

Depois de alguns meses de preparação, a Revista BULA+ número 9 acaba de sair do forno. Em breve iremos divulgar a data e local de seu lançamento. Fiquem no aguardo!



Abraços,

segunda-feira, 22 de março de 2010

Time Is Progress? Time Is Ilusion...

Por João Batista Bittenrcout*

Você já teve a impressão de que o tempo está passando mais rápido? De que as 24 horas não são suficientes o bastante para realizar todas as atividades que programou durante o dia? Pois saiba que você está certo. Mas não foram as horas que diminuíram, o que mudou foi a maneira como nós estamos nos relacionando com o tempo. Muitos estudiosos, afirmam que tiramos o pé do freio e pisamos fundo no acelerador no início do século XIX, período que data o surgimento da Revolução Industrial. E, desde então, a palavra de ordem tem sido: acelerar. O trabalho - que antes era eminentemente artesanal -, migrou para o interior das fábricas, e conseqüentemente tornou-se o motor da engrenagem do sistema econômico que acabara de nascer. Logo, a velocidade tornou-se a principal aliada dos donos de indústria, que passaram a cronometrar o tempo de produção, visando maior lucratividade. E não foi apenas o tempo de produção que foi esquadrinhado. Mesmo fora da fábrica, o trabalhador passou a organizar a sua rotina tendo como referência as atividades desenvolvidas na indústria. Surgiu assim as noções de “tempo ocioso” e “tempo produtivo”, e desde então, é dessa maneira que organizamos nossa rotina. Não se pode precisar uma data para a origem do fenômeno da aceleração, porém, é consenso, que a guinada tecnológica proporcionada pela revolução industrial foi um grande potencializador do processo. Mesmo conhecendo a lógica perversa do fenômeno, aceitamos sem maiores concessões nossa sina de atleta velocista, e até desejamos isso. Não sabemos para onde estamos indo, nem onde fica a linha de chegada, mas isso não importa, a única coisa que devemos saber, é que precisamos chegar logo. A velocidade nos consome por todos os lados, ninguém quer perder seu precioso tempo com investimentos a longo prazo. Time is money! Time is progress!
Uma prática que nos permite, ou pelo menos permitia fugir dessa lógica predatória é a reflexão. Aquilo que muita gente insiste em chamar de “perda de tempo”. A imagem mais recorrente que eu tenho dessa prática está remetida a filosofia grega, ou para ser mais específico, à figura de Sócrates, o pensador por excelência, aquele que fazia de sua vida um exercício de contemplação incessante. Em nossos dias atuais, podemos dizer que a imagem de Sócrates está relacionada com a do “desocupado” que não tem o que fazer, por isso fica olhando para as estrelas num gozo ocioso. O pensamento tem que ser rápido, contemplação é para perdedores. Mesmo a universidade, que é conhecida popularmente como espaço de produção do “saber” (fiz questão de por saber entre aspas, pois entendo que nem todo conhecimento é saber), entrou na lógica da mercantilização do pensamento, ou seja, produção intelectual em série, cronometrada. Aquele que não produz num curto espaço de tempo, torna-se incompetente em potencial. Se no campo supostamente “intocável” da reflexão, o processo é semelhante ao das indústrias, o que dizer do nosso cotidiano? Em contraposição a imagem do pensador contemplativo, apresento a imagem patética do indivíduo diante de seu computador chateado porque o email está demorando a abrir. Dois tempos completamente diferentes. Aíon versus Cronos. Certamente, estou levando em consideração o processo de desterritorialização brutal que atinge em cheio todos os seres humanos, reconfigurando novos mapas subjetivos, traçando novas linhas desejantes. Não sou um neo-ludita, que abomina o contato com as novas tecnologias, sonhando com o retorno de um paraíso que nunca existiu, a não ser para os “românticos” de plantão. A questão é: o que fazemos com tanta velocidade? Bom, gostaria de escrever um pouco mais sobre essa questão, mas não posso “perder tanto tempo” com o texto de um blog não é mesmo?


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* João Batista é sociólogo. Atualmente faz doutorado na UNICAMP, e é nosso correspondente.