sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Um monstro entre nós - O fundamentalismo cristão no filme O Nevoeiro


A premissa do filme O Nevoeiro (The Mist, 2007), é que o verdadeiro monstro somos nós mesmos quando o medo nos domina. De uma maneira diferente de um animal — que quando acuado por este sentimento tão básico se defende com sua voracidade — o ser humano tenta justificar sua violência da pior maneira, até mesmo usando suas crenças mais arcaicas. É dessa forma que entra o fundamentalismo cristão numa situação absurdamente desesperadora. Chegando ao ponto do assassinato ser “justificado” pela fé em Deus (atitude usada exaustivamente pela Igreja nos tempos da Inquisição), enquanto o mesmo ato, cometido em outras circunstancias (neste caso para proteger mais vidas) é condenado pelos cristãos do filme.

Baseado num conto de Stephen King e Adaptado por Frank Darabont (igualmente diretor e roteirista de Um Sonho de Liberdade e À Espera de um Milagre, ambos também adaptações de obras de King para o cinema), O Nevoeiro é um desnudamento do caráter de cada um, mostrando sua verdadeira face, que muitas vezes, durante a projeção, é monstruosa. Exatamente por isto, e pelo surrealismo da situação, talvez não seja exagero comparar esta moderna obra do cinema de ficção/terror com O Anjo Exterminador do mestre Luis Buñuel. Ambas têm um grupo de pessoas enclausuradas tentando lidar com uma situação absurda enquanto suas personalidades se desmantelam. E, na medida em que o filme segue, sentimos muito mais medo dos personagens humanos do que dos monstros que os atacam por puro instinto carnívoro e irracional. E é exatamente a razão, substituída pelo fundamentalismo cristão, que falta na maioria das personagens enclausuradas dentro de um supermercado estadunidense. Acredito que até mesmo a escolha da locação não foi um mero acaso cinematograficamente estético e literário. A maior parte da projeção é dentro de um típico supermercado lotado. Talvez seja possível vermos aí certa crítica à sociedade de consumo. Sociedade esta que se desfaz de sua civilidade quando o medo se instala dando lugar ao caos.

E o medo é a forma mais eficaz de converter “infiéis” para qualquer religião, principalmente a cristã que, na sua história, tem longa experiência neste tipo de estratégia. O que me faz repensar sobre a locação escolhida, ao notar que, na medida em que determinada personagem evangélica converte um número cada vez maior de desesperados com sua pregação interminável e condenatória, é possível perceber, numa irônica inversão, o comércio (neste caso, o supermercado) se tornar templo num mundo em que o templo cristão há muito se tornou comércio.

Além de uma direção bastante sensível e uma roteirização cuidadosa, o filme ainda surpreende com a coragem do seu final nada convencional (contrariando qualquer produtor caça-níqueis de Hollywood). E mesmo apreciando o final por causa desse motivo, ainda assim fica um gosto amargo de um sentimento de perda ao qual somos levados a sentir pelo desfecho inesperado.

Para concluir, não indico esse filme àqueles que esperam um mero filme de terror, cheio de clichês característicos do cinema atual norte-americano. Este é um filme denso e claustrofóbico. Contudo, surpreendentemente humano.

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